quinta-feira, 12 de dezembro de 2013

Devaneio musical em frente ao atribulado (e semi-natalino) departamento de RH

Nobody said it was easy/ It's such a shame for us to part/ Nobody said it was easy…

Ele divaga, lembrava de suas viagens de carro. Coldplay não era uma banda super brilhante na opinião dele, mas o que faz a música que não odiamos em um momento obter um significado em um dado momento, quando acidentalmente algo toca em uma situação inadequada. A música ganha significado. Não é mais uma música, é retrato de um momento. De dor geralmente.

A sala era discretamente inundada pela música de um player em formato de barra metálica que ficava no canto esquerdo de Victor Eras quando sentado em sua mesa, em frente à porta da gerência dos Recursos Humanos.

A música ainda flutuava levemente na sala, como se para o atormentar. Come back and haunt me… Mas Victor era forte. Sorria levemente lembrando de seu passado. Da escolha pelos livros e pela profissão, no lugar de viver uma vida modesta e pacata que provavelmente lhe proporcionaria um grande amor. Engraçado que ela possa acompanhar minhas memórias, mesmo depois de três anos.

O horário de trabalho estava próximo ao fim. Ele tinha decidido correr seus velhos e amigáveis 10km, ou próximo a isto no Parque Sara Kubitshek. Contudo ainda o intrigava, posterior à escrita dos relatórios de desempenho humano nos setores da Hyper Books, a ausência de retorno do e-mail do arquiteto Caio, indivíduo indicado para projetar a nova loja da livraria no shopping de Porto Alegre. Obviamente ele não colocou apenas o nome no título, contudo seu cargo na livraria multinacional. Isto pode ter contribuído para ele evitar a leitura. Provavelmente alguns sujeitos mais comunicativos tenham feito contato por telefone ou pessoalmente… Humanos, sempre prontos ao contato, e quando mais interessa não falam nada.

Ele é paciente. Não foi sempre, mas aprendeu a sê-lo. A observação lhe tem sido uma boa companheira. Junto com as reflexões e devaneios.

Hoje não haveria uísque, encontros ou planejamentos detalhados. Haveria corrida, reflexões e música. Bem como leitura.

Recordou-se imediatamente do aforismo XV de Bacon em Novum Organum ou Verdadeiras Indicações Acerca da Interpretação da Natureza:

"Não há nenhuma solidez nas noções lógicas ou físicas. Substância, qualidade, ação, paixão, nem mesmo ser, são noções seguras. Muito menos ainda as de pesado, leve, denso, raro, úmido, seco, geração, corrupção, atração, repulsão, elemento, matéria, forma e outras do gênero. Todas são fantásticas e mal definidas."

Ele voltaria da corrida com novos significados para os eventos da semana que se finaliza. Momento de pesar os ganhos e perdas. De organizar os recursos (humanos) para as festas natalinas que tanto agradam clientes e funcionários. Que lhe parecem pessoalmente lamuriosas e falsas, mas que são de um retorno enorme à multinacional. A música é clara: não posso mudar o mundo todo, mas posso adequar uma pequena parte dele para atingir fins específicos, os meus fins.

Ele já não pensava em Bacon, em Novum Organum, e, menos ainda, em Coldplay com a letra significativa, mas repetitiva de The Scientist. É a música da sobrevivência.

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