sábado, 21 de dezembro de 2013

Eu vejo solidão

No one ever saw you moving through the dark
Leaving slips of paper somewhere in the park
Hidden from your friends, stealing all they knew
Love is thrown in airless rooms
Thin vile rewards for you

    A música de David Bowie - You feel so lonely could die - ressoava pela sala em doses homeopáticas  de solidão. Carregada de escolhas que o levaram onde ele esta: solitário e feliz.
    Vitor Eras achava interessante que toda sua existência parecia ter uma trilha sonora.
    É noite. A correria do dia o impediu de se alimentar adequadamente, mas não de admiravelmente observar os funcionários, corrigir erros linguísticos, assinar papéis, medir desempenhos, fornecer feedback, adiantar a revisão da escala para as semanas mais atribuladas, acompanhar a troca de turnos. Era rotineiro e calorosamente previsível. Gray concrete city acabou de cantar David Bowie, e é o que esta cidade é.
    Depois de uma semana cheia e uma mais ainda a começar, Vitor Eras escolheu ficar reflexivo e lembrar-se dos finais de ano quando ainda era aluno de graduação. Namorava, viajava e se divertia. Era o momento em que ele poderia ser ele mesmo, sem máscaras. Lembrava-se sempre, nestas situações de final de ano há alguns anos desde que se separou, do Parque Moinhos de Vento, conhecido popularmente como Parcão em Porto Alegre. Mania de humanos darem apelidos para lugares e pessoas, como se isto simbolizasse lembranças ou intimidade. É o que acontece lá que é importante e marcante, não o nome/apelido que lhe atribuem.
     O parque é florido, como alta movimentação de pessoas e bancos estrategicamente alocados ao longo das passagens, com um lago melancólico, principalmente na brisa fria de julho, quando aproveitava a viagem ao Rio de Janeiro para visitar de carro o sul. Eram dias de carro, muitas músicas e muitas memórias. Principalmente o parque. Lá ele, Vitor, percebeu o que ocorreria. Sua namorada silenciosa, olhando para as pessoas segurava sua mão e, séria, falava de seus passados, desde o início do relacionamento. De quando Vitor se tornou estagiário na Hyper Books e de quando ele lia mais que saia com ela. Que se dedicava a detalhar em diagramas a relação que queria ter com algumas pessoas para alcançar níveis maiores na empresa. Ela estava discorrendo, provavelmente sem saber, o início de quando deixou de amá-lo. Quando ele passou a se dedicar à carreira, em detrimento dela.
     Ela sempre foi assim: inteligente, bela e inocentemente sincera, mesmo quando não sabia o objetivo de sua própria fala. Mas ele sabia. Ela estava desanimada, triste e solitária. Naquele parque florido, no verão que escolheram voltar para ficar distante de todos os amigos que tinham em quase cada estado, menos em Porto Alegre.
      Ali ele decidiu que deveria deixá-la partir. Dedicar-se à Hyper Books e crescer na carreira. Já que homem algum merece felicidade em tudo, ou não é felicidade é auto-enganação. Ele sempre pensava nisto e se alegrava em ver no Facebook a foto dela com novos namorados, com novo visual, em lugares antigos.
      Quando ele se deu conta de que não tinha escolhido ainda o local deste ano para o cumprimento de sua promessa mútua, ele resolveu começar a fazer uma busca na internet, logo após posicionar seu copo de uísque puro e uma trilha sonora de Ed Sheeran que começa com I see fire, música presente no lançamento de final de ano O Hobbit - Desolação de Smaug. Deixa-se levar pela letra e melodia para a escolha do lugar para final do ano. Pensou na Europa.
     Vou cumprir a promessa do segundo ano de namoro de sempre passar o final de ano em um lugar sem amigos, para pensar, refletir e olhar a paisagem, como se estivéssemos juntos.

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