É interessante como, em meio a toda confusão
cinza de Brasília exista um lugar tranquilo, durante a semana, como o Parque
Rural. Victor pensava e admirava a paisagem. Hábito que ele pensava ser de
prioridade idosa, mas havia aprendido a observar mudanças e diferenças nos
padrões. Como em quase tudo, ele se orgulhava disto.
Apesar
do Parque não conter árvores como nos Bosques de Belém do Pará - recorrente
lugar na sua adolescência – o aspecto único com uma leve brisa menos árida que
o restante da cidade fazia Victor refletir.
Ele
conseguia se concentrar, sem fechar os olhos, sentado e ouvindo insetos,
farfalhar das folhas, crianças gargalhando, e um pouco mais distante o
burburinho humano próximo à água. Quando se concentrava mais ainda, podia
sentir sua pulsação, o vento tocando seu rosto de leve. Eu faço parte do ambiente e para alguém eu também sou o ambiente.
Depende de ponto de vista.
Com
seu cruzar de pernas habitual, um livro na mão e uma face séria constantemente
verificada pelo seu exercício de auto-percepção, Victor olhava curioso para as
pessoas. Sério. Odiava pessoas que pareciam descomprometidas com tudo. Olhares
cansados o chateavam muito. Como em clientes esperando vendedores. Ensinou
várias vezes seus empregados a identificar o início disto. Pois quando a feição
aparece, já não há muito o que fazer. O importante era identificar o início. O
bater dos dedos nas prateleiras, o trocar de apoio ora num pé ora em outro, o
início do franzir do cenho. Mas no parque não era assim. Aparentemente um contrato
social implícito lembrava as pessoas que ali era um lugar de fornecimento de
alegria e descontração.
Fazia
dois meses que ele não ia a este parque. Sempre ocupado ele se desligou das
tentativas de escrita no sábado apenas verificando as malas e separando o que
pretendia levar para o lugar nunca antes visitado. Ele tinha decidido na manhã
de ontem. Ao escovar os dentes para ir a Hyper Books. Ele se viu pensava em
desistir da viagem à Europa.
-
"Pai, pai, ela mexeu comigo. Briga com ela?”
Uma
criança disse ao longe e instantaneamente chamou atenção de Victor. Pai. Fazia tempo que ele não falava com
o seu. Tempo em demasia. O pai dele admitia estes distanciamentos ocasionais,
principalmente sabendo que o final de ano do filho é corrido como gerente, e de
uma livraria multinacional. Seu pai dizia sentir orgulho, ainda mais ao saber
das histórias dos livros que ele contava e indicava ao pai quando se falavam
por telefone. Seu pai mora em Porto Alegre. Que também tem parques excelentes,
e o clima é muito melhor. Mas árvore e parque já servem o suficiente para
reflexões. Lembranças do pai lhe vinham a partir da fala da pequena criança e
não havia mais zumbido, batidas cardíacas ou farfalhar. Eram memórias. E só.
Era um
domingo produtivo, do ponto de vista de um treino para autocontrole. Mas Victor
ainda se sentia vazio, como se precisasse ler muito mais, observar muito mais
para poder compreender o mundo. E provavelmente era isto. Ele nunca estava
satisfeito consigo mesmo a ponto de parar de se atualizar, ler ou observar. Os
parques eram fundamentais em sua vida. E a Hyper Books a pedra de fundação. Lá
ele poderia observar a rotina, controlar a rotina e modelar as pessoas, ou pelo
menos suas ações. Ou parte delas. A livraria era seu laboratório diário. Os
parques eram quadros, ele não poderia interferir, mas o levavam a outra dimensão.
O
domingo foi se acabando. O entardecer alaranjado e seco, além de quente, fez
com que ele se desse conta do quanto havia ficado ali refletindo e ouvindo.
Parte perdido no ambiente, parte perdido em si. Ou se encontrando, como ele
gostava de pensar.
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