O dia estava tão cinzento como na primeira vez que desembarcou no Heathrow, ainda sem compreender uma frase completa em inglês, atrapalhado com as esteiras para retirada das bagagens. A fluência no idioma, o terno bem cortado e a reserva no Hilton marcavam a distância entre o Caio Brandes de agora e o menino da década de 90 que viera para um curso intensivo e acabara casando com a musicista da qual se despedira em definitivo na cidade de Coimbra - hoje ela provavelmente mal lembra de sua existência.
Talvez a decisão de entrar na
concorrência mesmo sabendo da estreita margem para criação, já que a
rede mantinha um padrão visual com raras variações de continente para
continente, tivesse alguma relação com a oportunidade de voltar à Inglaterra. Hyper Books, já não gostava da pretensão
embutida na marca, mas a antipatia ganhou reforços quando chegou à sede da
companhia.
Ao invés de estar dentro de
alguma das grandes livrarias localizadas em endereços charmosos e quase
acolhedores – já que nenhuma megastore consegue ser realmente um lugar aprazível
– , a sede da corporação ocupa o décimo quinto andar de uma torre envidraçada
na Broadgate Tower. Enquanto aguardava o diretor de marketing, encarregado de acompanhar o
processo de expansão da rede no Brasil, o brasileiro se mantinha imóvel na poltrona de
couro escuro, pernas cruzadas, braços apoiados no estofado que imitava um modelo
antigo e queixo apoiado no suporte formado pela mão direita. Os olhos vasculhavam
a sala acarpetada em busca de alguma referência ao negócio. Seu imaginário
esperava se deparar com uma sala cujas paredes revestidas de madeira nobre
guardassem as edições mais relevantes na história da livraria, ou imagens das
lojas mais antigas antes que a rede expandisse seus tentáculos para fora da
Europa. Ao contrário disso, o local delimitava os espaços com divisórias de
vidro temperado e persianas metálicas. Não se percebia quase ruído, talvez em função do pequeno número de ocupantes daquele
andar. A recepcionista o conduziu
até a sala de espera, mostrou os dentes um pouco amarelados na moldura rubro intenso e prometeu que Mr. Kasper estaria disponível
em dez minutos, no máximo.
Foram treze, acompanhados
com rigor no Tissot com pulseira de couro preto que Caio reservava para ocasiões relevantes. Mr. Kasper, um sujeito
atarracado e impaciente, deu instruções secas quanto às prioridades da nova loja –
disponibilidade de espaços que pudessem ser negociados com as editoras para dar
visibilidade aos títulos capazes de pagar pelo destaque do seu produto,
caixas posicionadas de modo a não atrapalhar a circulação nas seções com maior
lucratividade – DVD´s musicais e livros infantis – e um espaço com capacidade
para realização de eventos que não interferisse no acesso às gôndolas dos mais
vendidos. As cores seguiriam o padrão utilizado em toda a rede e estavam apontadas no contrato. Nenhuma recomendação para visitar a maior loja, em Londres mesmo, antes de iniciar o projeto e o aviso de que a entrega seria
fiscalizada pelo próprio Kasper. Se não saísse da visita completamente
satisfeito, o bônus previsto no contrato não seria aprovado - alertou o executivo.
Caio havia pensando em pedir para
conversar com outros responsáveis da rede, para compreender a filosofia organizacional
e adequar, na medida do possível, o espaço para que refletisse os valores e o
modo de trabalhar, mas a acolhida não lhe pareceu propícia. Quando voltasse ao
Brasil tentaria contatos informais com a equipe.
Saiu da reunião com ânimo nenhum
para pensar no projeto. Lembrou de Ruth tocando violoncelo, mas não tinha seu endereço. Enquanto aguardava o táxi para levá-lo ao hotel, fingiu para si a possibilidade de percorrer novamente os trajetos da época
em que desenhava fachadas de prédios históricos para arrecadar alguma grana, mas a neve não parecia disposta a dar trégua.
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